quinta-feira, 20 de outubro de 2011

LIBERTAÇÃO














O que notei, no primeiro dia, foi o silêncio profundo e um tanto constrangedor, mas não era uma total ausência de sons. Na parede, o relógio avançava o tempo com tique-taques que me pareceram exageradamente nítidos e, em algum lugar, um som cavo e ululante me inquietou. Não demorei a perceber que era o vento do findo inverno resistindo em ceder seu lugar à primavera – aqui em Salvador as estações se confundem entre definições singulares de chuva, vento e sol. Andei a esmo entre a sala e a cozinha, tentando me situar naquele novo ambiente fluido, onde os ruídos se propagavam com um colorido diferente.

Por fim me decidi por preparar algo para comer. Iniciei o dejejum sentindo uma estranha sensação de ausência e uma ansiedade crescente que perduraria pelo resto do dia. Subi ao quarto e, após conflituosos minutos de embate interior, me virei para ela e quase cedi a seu apelo mudo. Ela me olhava fria e impassível, todavia promessas brotavam de suas faculdades físicas; apelos ávidos misturados a uma indiferença quase que cerimonial.

Virei-me para a cama e, ao lado, uma pilha de livros jazia amontoada – livros que eu comprara e prometera ler: Dickens, ainda pela metade, Kipling que eu nem sequer tirara do plástico filme, Victor Hugo comprado em um sebo e Charles Kingsley com o seu The Water-Babies, que iria exigir do meu inglês contemporâneo e de minha visão presbiópica um esforço suicida.

Sentei-me e enfrentei novamente a silhueta dela, delineada contra a luz do dia. Sabia que já desperdiçara tempo demais nestes últimos meses tentando conviver com sua presença sedutora; seus joguinhos fúteis sempre acabavam por dobrar minha vontade e, depois de ceder, só me restava a frustração.

Fora difícil me desligar de sua entorpecedora influência, que mais lembrava uma dependência química. Hoje compreendo como os privados de opiáceos se sentem ao ficar sem o uso da droga, pois no início, a vontade de correr para ela e me deixar levar pelos seus sussurros e imagens era quase incontrolável. Por vezes me vi aos seus pés, de joelhos, mãos suarentas, um nó a subir e descer na garganta, como um êmbolo movido a ansiedade, tentando formular palavras que justificassem minha desistência, mas eu resisti e a mantive desconectada de minha vida. Deitei na cama e abri Dickens.

Hoje faz trinta dias que não ligo mais a televisão.

sábado, 24 de setembro de 2011

O CASO TUSKEGEE

Recentemente o governo americano reconheceu ser responsável, na década de 1940, pela morte de 83 guatemaltecos durante experimentos médicos, nos quais cerca de 1300 pacientes foram infectados com doenças sexualmente transmissíveis, tais como gonorreia e sífilis. Os voluntários; como quase sempre acontece nesse tipo de experiência; não sabiam dos riscos envolvidos.
Isto me fez lembrar um email que enviei para uma grande amiga minha em 2009 no qual eu dissertava sobre assunto semelhante, o qual vou reproduzir uma parte agora:

“O CASO TUSKEGEE

De 1932 a 1972 o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América realizou uma pesquisa, envolvendo 600 homens negros, sendo 399 com sífilis e 201 sem a doença, no estado do Alabama. Este estudo ficou conhecido como Caso Tuskegee. O objetivo do Estudo Tuskegee, nome do centro de saúde onde foi realizado, era observar a evolução da doença, livre de tratamento. Não fora dito aos pacientes que eles tinham a doença nem sobre os seus efeitos (Apenas disseram que eles tinham algo chamado “Sangue Ruim”). Os voluntários, além de terem o real diagnóstico e prognóstico de evolução da doença omitidos, também foram excluídos de atendimento na rede americana de hospitais, pois havia uma lista com seus nomes e a proibição expressa de que estes fossem submetidos a qualquer tipo de tratamento.”

Bem, experimentos médicos e científicos heterodoxos não são novidades na história recente da humanidade, basta lembrar que, durante este mesmo período, os nazistas submeteram ciganos e judeus a práticas semelhantes.
O que me passou despercebido, à época que escrevi o referido email, mas que agora me salta aos olhos é a similaridade com uma situação que acontece aqui no meu quintal.
A Bahia está enfrentando, há quase 3 anos, surtos crescentes de meningite. Do início do ano até este presente momento, cerca de 76 casos foram notificados, de onde podemos estimar que os episódios não notificados ou não diagnosticados devem elevar este número à casa das centenas.
A atitude do governo estadual em negar veementemente a consolidação de uma epidemia, e a recusa em vacinar preventivamente a população me faz lembrar o famigerado Tuskegee.
Será que estamos sendo submetidos a algum tipo de experimento?
Para os amantes da Teoria da Conspiração estou pensando em um nome para dar a este experimento - talvez, Caso Tupiniquim. Mas como tenho uma imaginação muito fértil, pode ser que na verdade não seja um Caso e sim um (Des)caso.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

DIGO NÃO À DEMOCRACIA BRASILEIRA

Digo não à Democracia Brasileira!

O Brasil é o país do faz-de-conta. De vez em quando alguma notoriedade nacional lança uma nova expressão ou uma ideia e ela passa a valer como verdade. Já escutamos que o Brasil era o país do futuro, que o petróleo era nosso (esta retornou agora com o pré-sal), que Deus era brasileiro (em detrimento dos habitantes de outras nações), que o país ficaria ingovernável sem a contribuição da CPMF e por aí vai.

Mas para mim a mais nociva de todas as ideias plantadas, é a de que vivemos em uma democracia.

Não vivemos uma democracia, amargamos uma República de Privilégios, onde cada subgrupo da sociedade busca vantagens para si. Então temos leis protegendo o lucro dos bancos, a receita dos usineiros, a inimputabilidade dos parlamentares e governantes; as caixas pretas dos empreiteiros, dos dirigentes de futebol, etc.

Criam-se leis para tudo: Já que não vamos responsabilizar os mais jovens por sua falta de conduta e respeito, criemos uma lei para proteger os idosos. Aos heterossexuais intolerantes, nada de reeducação, instituamos uma lei contra a discriminação sexual. Temos leis específicas contra a discriminação racial, contra abuso de crianças e adolescentes, de crimes contra a mulher, menor infrator...

Criamos castas de intocáveis, por promulgação. Para que serve esta teia de leis?

Apenas para esconder o que está sob ela: o fracasso em se criar um Estado de Direitos e Obrigações que se constitui em um dos pilares da verdadeira Democracia.

Ao falhar intencionalmente em construir o outro pilar democrático, a educação gratuita e de qualidade, os detentores do poder pensam nos votos que vão conduzi-los aos gabinetes, mas na esteira de suas ascensões políticas, engendram um monstro acéfalo e faminto. Este monstro é a sociedade brasileira, que órfã, tenta se auto regulamentar, ou pior, se auto remendar em leis e mais leis para corrigir as imperfeições do sistema. Monstros possuem o péssimo hábito de crescer desmesuradamente e a falta de uma política de natalidade transformou esta nação num organismo invertebrado com milhões de bocas. Isto não é democracia – é teratologia.

Pagamos altíssimos impostos (já considerados como confisco), e não temos saúde, saneamento básico, segurança, transporte público, moradia digna. Não temos o direito de saber quanto, como e onde o dinheiro destes impostos é aplicado. O governante, que em tese, é um servidor do povo e a ele deve se curvar, age como se fosse um déspota, sentado em seu trono, apartado das questiúnculas de seus vassalos.

Não sou adepto de regimes ditatoriais, contudo não consigo dissociar o atual estado brasileiro da época dos anos negros quando os militares eram quem engatilhavam os fuzis. A diferença é que naquela época a sociedade era um organismo pensante, de contornos coerentes e que desejava evoluir para formas mais belas e harmoniosas.

Wellington Rex 18/04/2011

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A NOITE QUE AVANÇA.




Escrevi este poema para você que tenta descobrir uma forma de sobreviver no meio dos lobos. Você não está sozinho...




A Noite Que Avança.

Aspiro a noite negra que envolve os corações impuros,

O negror invade ramos, enchumaça alvéolos, destroça crânios.

Mas é tarde na contagem dos anos e a palavra que redime

Jaz muda, incompreensível, inconciliável com os minutos.

A voz interrompida, seccionada enquanto crua,

Jamais provará da sua própria dor e,

embora rogue, nunca se erguerá em protesto,

pois suas raízes estão plantadas em solo movediço.

Wellington Rex – 13/04/2011.